A pedido de várias famílias, venho aqui partilhar a viagem que fiz para trazer o TMS 85 que compramos nos arredores de Bruxelas e que a família decidiu batizar de Faísca.

Há muito tempo que pensava na possibilidade de ir buscar um TMS usado a um do países da UE. Com a família a crescer e os outros carros que temos a revelarem-se um pouco acanhados para as novas necessidades, decidi que poderia juntar alguns argumentos racionais para justificar uma decisão que de outra forma só o poderia ser, quase exclusivamente, por argumentos ideológicos e passionais (isto no contexto português atual).
A procura foi demorada e apesar de tentar estabelecer contactos com muitos vendedores, poucos desses se concretizaram. Mais tarde apercebi-me de que muitos dos anúncios que ainda estavam ativos, eram de carros que já tinham sido vendidos. Isto revela, na minha opinião, um mercado muito dinâmico e com uma procura muito grande, em especial nos carros pós 10/2014. O vendedor deste carro em particular foi um dos poucos com quem consegui estabelecer comunicação efetiva. Contactei-o por causa de outro carro (preto, menos equipado e com menos km) mas que já tinha sido vendido. Ele falou-me deste carro (branco) que também já me tinha atraído a atenção noutro anuncio. Por ter a sensação que os carros com preço justo permaneciam à venda por muito pouco tempo, decidi sinalizar o carro. Antes de efetivar o negócio, liguei para o Service Center em Antuérpia para saber o historial do carro e impressões sobre o antigo proprietário. Asseguraram-me que o carro estava muito bem mantido e estimado. Também disseram que, na opinião deles, o antigo dono era de confiança ("trust worthy"). Seguiu-se uma semana e meia de intensas pesquisas, por um lado porque nunca tinha importado um carro e por outro porque nunca tinha feito uma viagem de VE.
Passada essa semana e meia fui buscar o carro com o que achava ser um plano sólido para a viagem, complementado com muitas dicas e ajuda que me deram neste fórum (obrigado a todos). O plano para a viagem era seguir a rota que passasse nos Super Chargers de Senlis, Tours, Saintes e Bayonne. Para o "deserto" Iberico, inicialmente iria para Bilbao onde iria ter com um amigo basco, a quem tinha pedido que me arranjasse o cartão da IBIL uma vez que o site não aceitava um NIF que não fosse espanhol (apesar de haver uma opção para selecionar uma nacionalidade não espanhola...). Em Bilbao carregaria no carregador CHAdeMO da IBIL (tinha pedido ao vendedor do carro para me comprar um adaptador). Daí seguiria para Palência onde há outro CHAdeMO da IBIL (sobre este posto encontrei informação contraditória quanto à sua operacionalidade) mas ainda com autonomia para chegar a Valladolid. Em Valladolid, para além de um carregador CHAdeMO da IBIL (mais uma vez com informação contraditória quanto à sua operacionalidade), levava várias alternativas estudadas. Daí seguiria para Zamora onde carregaria um pouco para chegar confortavelmente ao Porto, para carregar no CHAdeMO da Nissan da zona industrial do Porto (onde teriamos de chegar até às 19h de sábado para depois seguir para Viana).
Arrancamos do local onde estava o carro às 16h locais de sexta feira. O carro indicava 372 km de Typical Range (Estava irrepreensível. É de 11/2014 e quando peguei nele tinha 64000 km). A perna até ao SC de Senlis foi tranquila e o carregamento decorreu como esperado. Arrancamos em direção a Tours, eram cerca de 20h. Não me lembro da autonomia à saída de Senlis mas lembro-me que o GPS estimava chegar a Tours com 11% de carga remanescente... Apanhamos algum transito ao passar por Paris mas nada de mais. Seguíamos pela A10 quando de repente, um pouco antes de Orleães, a auto-estrada foi estreitando até que nos apercebemos que estava cortada e somos encaminhados para uma saída que entra diretamente na A19 para Este. Na verdade os placards de informação já vinham informando de alguma coisa mas como o meu francês é quase inútil, só percebi isso depois... A navegação mostrava que a saída mais próxima ficava a 30 km e que já não teríamos carga para chegar a Tours. Sugeria que voltássemos para o SC de Rungis (nas imediações de Paris), carregar e voltar pela A10 para Tours novamente... Reduzi imediatamente a velocidade para os 60 km/h e assim que pude saí para um parque de descanso. Com o carro parado, tentei pôr a navegação a seguir para Tours sem recorrer a auto-estradas mas como era a primeira vez que trabalhava com este sistema, não consegui chegar lá... Tomei nota da informação que tinha disponível e apaguei o carro. Com a ajuda da net e da navegação do telemóvel (ainda não sei quanto vou pagar de roaming de dados), lá consegui calcular que saindo na próxima saída e seguindo por estradas secundárias, conseguiríamos chegar a Tours desde que o consumo não passasse dos 170Wh/km. Decidi arriscar e seguir para Tours. Seguimos até à saída a 60 km/h e assim que saímos da auto-estrada, a 45 km/h seguindo o caminho indicado pelo telemóvel à meia noite e meia. Demoraríamos 3,5h a chegar a Tours. Passámos por estradas que estavam barradas porque tinham estado inundadas e que em algumas zonas ainda estavam cobertas com um palmo e meio de água (as inundações também eram a razão para o fecho da A10)... Houve pelo menos uma ocasião em que estivemos para desistir e procurar a polícia ou os bombeiros... Chegamos ao SC de Tours às 4h e com pouco mais de 30 km de autonomia (já não me lembro se projected ou typical). O portão do hotel onde estava instalado o Super Charger estava fechado. Ninguém atendia a campainha. Lembrei-me de ler algures que havia um código. Lá fui ver as minhas notas que diziam que no ecrã do carro, nas informações do Super Charger, está o código de acesso... E confirmou-se! Lá conseguimos pôr o carro a carregar.
O resto do precursor francês correu muito bem!
Após Bayonne, fomos para Bilbao. A estrada para Bilbao é muito gira e o País Basco tem paisagens lindíssimas. Em Bilbao, o meu amigo entregou-me o cartão da IBIL mas disse que não pagou nada (o que é estranho porque tinha ligo que se pagava €10). Fomos para o carregador CHAdeMO mas não funcionou porque o cartão tinha que ser ativado e carregado. Mais uma vez, na net não aceitavam o NIF nem cartão de crédito português o que levou a que tivesse que ativar o cartão com os dados e cartão de crédito do meu amigo basco. Neste processo perdemos mais de 2h mas o carregamento correu bem. Arrancamos de Bilbao por volta das 18h. Chegados a Palência, fomos diretos para o carregador CHAdeMO. Iniciamos o carregamento mas passado uns 3 segundos parava e o carregador dava um erro... Tentamos mais 3 vezes mas sem sucesso. Como ainda tinha uns 75 km de autonomia e Valladolid estava a 53, inicialmente decidi ir para Valladolid mas rapidamente mudei de ideias por não querer repetir a experiência da noite anterior... Regressamos ao centro e com ajuda de uns locais chegamos a postos de carregamentos que não era compatível com o cartão IBIL. Pedi para nos levarem aos bombeiros e lá ficamos, o carro ligado à ficha (a carregar 13 km/h) e nós a dormir no carro. Na manhã seguinte (quatro horas depois), arrancamos para Valladolid onde encontramos mais um CHAdeMO da IBIL que não funcionava. Desta vez carregar no botão START e não fazer nada era a mesma coisa. Liguei para o Parador de Tordesillas a perguntar se poderia usar a tomada trifásica que lá têm. Disseram que sim, com a condição de que tomássemos lá o pequeno almoço. Lá fomos mais trinta e tal kilometros. Ao chegar lá, encaminharam-me para uma garagem afastada, no fundo da qual saía, por debaixo de uma porta, um cabo com uma tomada. Liguei o carregador universal móvel (UMC) da Tesla com o adaptador vermelho e ligava a luz verde no UMC. Assim que ligava o UMC ao carro, as luzes junto tomada do carro ficavam vermelhas e a luz no UMC piscava vermelho também. Tentamos várias vezes e o resultado era sempre o mesmo. Por indicação do vendedor do carro, tentei fazer o reset ao UMC várias vezes que não resultou. Já estava a pegar nos papeis do seguro para ver se haveria possibilidade de chamar a assistência em viagem para levar o carro para Portugal. Passado algum tempo, liga-me alguém do suporte técnico da Telsa para fazer o troubleshooting (o vendedor ligou-lhes e pediu para me ligarem). Após alguns ensaios o veredito era que a tomada não tinha ligação à terra adequada... Liguei o carro ao uma tomada convencional e o carro carregava a 9 km/h (limitado pelo carro por causa de instalação elétrica deficiente). Decidi que carregaríamos o suficiente para chegar de lá a Zamora e que lá carregaríamos tudo o que pudéssemos para seguir diretos para Viana. O risco era que em Zamora só havia um par de carregadores lentos da IBIL e eu já não tinha muita confiança que estivessem a funcionar mas como a alternativa era voltar para trás para Valladolid ou então Salamanca tentar os Destination Chargers (já me tinham dito por email que teria de prenoitar para poder usar os carregadores e a pernoita custava mais de €400), arrisquei e seguimos para Zamora. A boa notícia era que quando chegamos lá o carregador estava a funcionar. A má era que teríamos de esperar 7,5h em Zamora à hora de almoço, ao domingo, sem gente na rua, com tudo fechado exeto o McDonalds, com 28º num lugar onde não haveria hipótese de chagar sombra... Fomos dar uma volta e a certa altura sentia-me como no episódio do Top Gear em que o Clarkson e o May fazem uma viagem de Leaf e de iON e que tentam fazer de tudo para se entreter enquanto esperam que os carros carreguem... Mais tarde, por volta das 16:30h voltámos para junto do carro, o centro comercial onde estão situados os carregadores já tinha aberto mas as lojas permaneciam fechadas. A única coisa que estava aberta, era a bilheteira do cinema... Tornou-se evidente o que iamos fazer... Iamos dormir no escurinho e ar condicionado do cinema! O que estragou tudo foi que "O Livro da Selva", apesar de dobrado, revelou-se um filme giro e interessante...


Quando acabou o filme já só faltava uma hora para podermos ir embora! A essa hora já havia muita gente na rua (a hora da siesta já tinha acabado há muito) e havia muita gente à volta do carro a espreitar, a tirar fotos e a fazer perguntas, o que também ajudou a passar esse tempinho que faltava. Quando acabou o carregamento tinha 384 km de typical range e a navegação estava a dar 375 km até Viana. Eu sabia que conseguiria fazer em menos distância mas não sabia quanto é que o terreno ia afetar o consumo. Saímos de Zamora às 20h locais e chegamos a Viana à 1h da manhã de segunda feira.
O meu conselho para quem esteja a pensar importar um Tesla é que o ponham num camião porque, até estarem prontos os Super Chargers, a rede existente não é suficientemente fiável para fazer a travessia ibérica.